A folha folheada pelo tempo

Sorry, this entry is only available in Brazilian Portuguese. For the sake of viewer convenience, the content is shown below in the alternative language. You may click the link to switch the active language.

 

Entre o nascer e o morrer, experimentamos as muitas, tantas quanto possíveis, variações de tempo a compassar nossas passagens, cujas durações se estendem ou encurtam mediante os níveis de afeto e de angústia, de atenção, de inteligência ou de curiosidade.

Há um tempo que sobrevive ao curso de todas as nossas vidas, e há tempos que se apagam de nossas lembranças ou mesmo da própria História. Entre o passado, já apagado, e o presente, nem sempre sentido, esconde-se um tempo que está permanentemente a repetir-se, que é particular, pois superior a todas as formas de vida, sem fazer distinção: um tempo que ora parece morto, ora torna-se a razão maior de nossa insistência em respirar, em aprender tão-somente para voltar a errar e, logo, tornar a reaprender, num ciclo maior que os anos, que os séculos, que os milênios…

Esta mostra nasce justamente da atenção dada a um tempo que não é o meu, mas que comigo foi compartido pela artista em seu atelier cor de pele, envolto numa atmosfera de conforto, longínqua intimidade, languidez e permanência. Foi naquela tarde – nem tão breve, nem tão longa, mas longa o suficiente para arrastar-se até o presente -, que nasceu esse projeto de imersão conjunta num mundo que, uma vez público, torna-se outra vez privado. É nesse tempo/ciclo que situa-se a obra de Maria Laet – um tempo que é sentido, compartilhado, que promove um eterno retorno à própria artista, mas não sem antes passar pela natureza, pelos homens, por todxs nós.

Tal qual a aventura humana, a arte também pode ser vista como um grande jogo; foi assim, nesta toada, que procedemos, a artista e eu, ao passatempo de unir os pontos, alinhavar as partes para alcançar um labirinto maior, uma cosmogonia de elementos visíveis, audíveis, táteis, sensoriais.

 

***

 

Acaso não conhecesse Maria, era bem possível acreditar tratar-se de uma artista oriental – japonesa, quem sabe -, que responde a uma ancestralidade e a um tempo que não parecem ser os mesmos nossos. Há algo de intangível em sua ação silenciosa, fantasmática, litúrgica, eu diria – uma presença e um protagonismo que nos transpõem a outro plano, senão austero, milenar, esotérico, místico.

Recantos, dobras e dobraduras, alinhavos, brancos, cinzas e negros, sopros, metais, papéis e mais geometrias, curvas e retas, pó, areia, agulha, pele e linha, num ritual que é pagão porque deriva de todos os altares, do ocidente ao oriente, da artesania à mata, e desta à matemática. É naquilo que respira, dorme, hiberna – para depois projetar-se na matéria – que existe a obra de Maria Laet.

Entre, deite e deixe-se acalentar, aproxime-se, ouça, respire, murmure, durma com esse barulho – da mata, da tumba, da folha a ser folheada, da natureza a ser penetrada, do tempo a ser esquecido e relembrado, pois uma folha em branco jamais será igual à outra quando estiverem soltas ao vento.

 

Bernardo José de Souza