Conversa entre a artista Maria Laet e os críticos Felipe Scovino e
Paulo Sergio Duarte. Rio de Janeiro, 27 de janeiro de 2010.
Felipe Scovino e Paulo Sergio Duarte decidiram, no lugar de cada
um redigir um texto, conversar sobre o trabalho de Maria Laet,
com a participação da artista. A conversa se deu depois de um
jantar e derivou sobre vários assuntos relativos à arte. Essa síntese
da conversa, depois de editada, é o que interessa. Enquanto
Paulo Sergio se apegou à manifestação material do trabalho, àquilo
que permite a sua recepção e o resultado final para quem se
encontra no espaço da exposição, Felipe se ateve a sublinhar
o processo no qual a obra se desenvolve e a detectar conceitos
presentes que são veículos importantes para sua melhor
compreensão. Nesse processo há sempre o imperativo e o
acidente ou, recuando para termos conhecidos pelo Iluminismo,
a necessidade e o acaso ou ainda, se quiserem, o determinado
e o indeterminado pela vontade. O resultado plástico nas
ações, nos desenhos, nas fotos, e seu processo, contrariam
a tendência à busca das manifestações espetaculares e sublinham
uma dimensão original da estética da delicadeza. Chega de
introdução. Achamos melhor você passar à leitura dos trechos
selecionados da conversa.
Felipe Scovino, Maria Laet e Paulo Sergio Duarte
PAULO SERGIO DUARTE
Hoje o desenho possui uma autonomia que lhe
dá o mesmo estatuto da pintura, gravura,
instalação, performance, foto ou vídeo. O desenho
tem uma vida própria e independente, está longe
do seu passado subordinado e dependente como
preparação a uma obra final, seja uma pintura,
seja uma escultura. A substância da autonomia
conquistada pelo desenho se encontra ali onde
alguma coisa se traça e se materializa, não apenas
na questão da linha — no sentido tradicional do
desenho — nem tampouco no sentido que eu acho
que os artistas contemporâneos têm adotado
largamente, quando toda vez que pintam sobre
o papel, chamam isso de desenho, e aquilo pode
ser considerado pintura sobre papel. Contudo,
no caso da Maria, há o sentido maior de desenhar,
de traçar algum caminho, traçar alguma coisa.
Não sei se vocês concordam.
FELIPE SCOVINO
Penso que há o sintoma de um acidente no trabalho
da Maria, e estou pensando até que ponto essa
ocasião do acidente se coloca de maneira intuitiva
ou fora do seu controle. Quando falo em acidente
estou me referindo por exemplo ao trabalho do
balão. Por mais que você preveja o caminho
daquele balão sobre um prévio ou pretenso roteiro,
aquilo foge totalmente ao seu controle e nesse
sentido evoca-se uma situação de acidente. Outra
situação que aparece como acidente é a realização
do que podemos chamar de monotipias, quando
você coloca o papel sobre essas rachaduras, sobre
essa memória de uma cidade ou de um chão, e
essa prática não deixa de ser um acidente, também.
Tudo isso que foge ao seu controle, por mais que
evoque um planejamento, resulta num acidente.
MARIA LAET
O acidente, o imprevisível do desenho, acontece em
alguns ou em vários trabalhos como consequência
ou como reação a uma situação criada ( escolhida ),
na qual existe um diálogo, onde pelo menos um
elemento não é previsível ou controlável, está vivo
no tempo da ação.
P.S.D.
Mas existem escolhas muito pré-determinadas:
o friso no pavimento preto, colocar o leite branco.
Essas escolhas se estendem, por exemplo, em
costurar a areia numa determinada direção, e ter
como resultado diversas fotografias, onde em
algumas está tudo em foco, em outras está em
foco o plano mais distante e em outras o primeiro
plano. Nesse momento, ela tem que escolher entre
essas dezenas de fotografias, quais são as que
representam a ação dela. Penso que a ação de
costurar areia não é tão acidental. É evidente que
existe acidente no caso do sopro, quando ela e outra
pessoa convidada sopram a tinta sobre o papel.
Aqui, existe o resultado do acidente, o desenho é
um acidente. Mas nem sempre é um acidente.
Penso que existe a escolha de um determinado
caminho, mas precisamos amadurecer mais
essa conversa para pensar o que é esse caminho
que ela escolhe, porque há escolhas muito claras.
F.S.
Eu penso que a linha atravessa o trabalho da Maria
de uma forma aonde ela não se impõe como um
elemento que delimitará um espaço, mas que se
coloca exatamente como um personagem central
no trabalho. Se pensarmos no trabalho do leite
no pavimento que você acabou de citar, aquele
vazio ou falta, que é a rachadura, será preenchido
com leite, e se pensarmos como esse leite se
apresenta — sua cor ou ausência de cor representa
exatamente a nulidade. É uma nulidade que
preenche uma falta, uma ambiguidade que se
coloca na própria permanência / impermanência
que o trabalho da Maria apresenta. Nesse
momento, evoco novamente as monotipias feitas
por Maria: penso que o que se constitui como
matéria nessa série de trabalhos é novamente
o preenchimento de um espaço com a presença
de uma linha.
M .L.
Sim, o preenchimento de um espaço com a
presença de uma linha, ou a visualização de um
espaço pelo surgimento de uma linha, ou ainda
a linha como materialização, incorporação de um
movimento, um diálogo, ou em última instância,
uma vivência.
P .S.D.
Acho interessante essa conversa pelo fato de
como a aproximação do Felipe segue na direção
de um conceito, de uma idéia atual de como as
coisas se apresentam no mundo, e como o branco,
por exemplo é uma nulidade, mas na verdade
ele se constitui como o contrário disso. O branco
seria teoricamente a soma de todas as cores,
enquanto o preto seria a nulidade; o preto seria
a ausência da cor, mas é muito interessante
essa forma de apresentar a questão porque é
o contrário da tradição teórica. Pensemos que
existe uma cor branca sobre preto. Primeiramente
como uma coisa dada, que está entregue no
mundo, como um readymade, que é a rachadura
no chão, e você intervêm sobre aquela rachadura,
e de repente aquilo que não aparecia passa
a aparecer no mundo. E essa forma de aparecer,
não importa como, em todos os trabalhos que
eu vi tem um dado comum: nunca aparece de
forma espetacular. Sempre aparecem pelo prisma
da delicadeza e não pelo prisma do espetacular,
ou seja, entre o espetáculo e a delicadeza todos
os seus trabalhos primam por escolher o caminho
de estar no mundo no momento do aparecer,
ou seja, eles apenas aparecem no mundo, e não
querem ser flagrados além disso. Eles aparecem
e ali cessam o momento do ser deles. Eles são
enquanto aparecem, e não existem além disso,
ao contrário de muitos trabalhos contemporâneos
que, com ou sem legitimidade, dependendo
da escolha e potência poética do artista, optam
pelo caminho contrário, que é o de acontecer pelo
prisma espetacular, ou seja, aparecem com
uma contundência enorme e plena. Dessa maneira
eu volto ao início, quando comentei que há uma
persistência da linha, mesmo quando aparece
o sopro, porque ele se esparrama, há os gotejos
e de repente surgem linhas possíveis de serem
detectadas, como se o aparecer fosse desenhar.
M.L.
Paulo, isso que você diz sobre o trabalho estar no
mundo no momento do aparecer, faz muito sentido
para mim. Me lembra um verso do Manoel de Barros
que diz “eu fiz o nada aparecer”. E desse pensamento
saem alguns caminhos possíveis, como o nada no
sentido da dimensão invisível que é o encontro de
uma pessoa com o mundo e com o outro, e a
materialização desse encontro. O nada no sentido
do espaço que existe em muitos dos trabalhos, como
o espaço entre o corpo e o balão, entre a boca e
a tinta, entre o pavimento e o leite, ou mesmo em
discursos menos claros, como entre a areia e a linha
ou entre a água e a gaze, que passam a aparecer.
F.S.
Eu complemento o que o Paulo está dizendo com
duas palavras: suavidade e silêncio. São dois
temas recorrentes, que reverberam e atravessam
o trabalho da Maria. E, ao mesmo tempo penso
que não deixa de ser espetacular o fato de você
costurar um trecho de praia; contudo a qualidade
com que você faz isso, evoca o que o Paulo
acabou de dizer. O trabalho tem tudo pra se tornar
espetacular, mas ao mesmo tempo ele se
transforma numa atitude e discurso tão íntimo que
uma suavidade e um silêncio são conclamados.
P .S.D.
Eu acho que suavidade e silêncio são atributos
da delicadeza. Estardalhaço e ruído são atributos
do espetáculo. Não tem nada de espetáculo em
costurar aquelas linhas na areia. Nisso eu discordo
do Felipe. É impossível aquilo se transformar
num gesto espetacular. Estamos no mundo dos
Rolling Stones, não são quatro freiras anônimas
cantando dentro de um monastério na Idade
Média, onde costurar uma areia poderia ser um
espetáculo condizente com esse coro de quarto
freiras num monastério cantando um canto
monofônico do século XII, e dessa maneira
entenderíamos o que é a delicadeza, e o espetáculo
dentro da delicadeza. No mundo de hoje aquilo
não pode jamais atingir uma dimensão espetacular.
Costurar areia não será espetacular, a não ser
por fatores externos ao ato de costurar areia como
chamar uma grande estrela — ou essa coisa recém
inventada — uma “celebridade” para participar
da ação. Mas o ato de costurar areia por você,
Maria, e da forma como você registra essa costura,
penso que tem uma coerência total com o resto
do trabalho, que é isso que o Felipe apontou
com muita propriedade: ele vai além da delicadeza,
e se conecta com a suavidade e o silêncio.
F.S.
Eu quis dizer que o trabalho tinha tudo para ser
espetacular, mas ao contrário disso, ele preservou
sua autonomia como poesia.
M .L.
Existe silêncio enquanto se faz o trabalho, existe
uma atmosfera que é necessária, que eu não
sei se posso chamar de ritual, mas há um silêncio
necessário, que é o contrário de uma ação
automática. Há um silêncio na hora de fazer, que
eu não sei se é outro diferente desse à que vocês
se referem, mas ele precisa existir e é sentido,
se configura em uma espécie de concentração,
e de entrega ao ato. Por isso eu dizia que a ação
vem antes da linha ou do desenho.
P .S.D.
Entendi, é que eu insisti no que as pessoas verão,
o trabalho do artista. Eu sei que o trabalho do artista
está muito longe de ser o que vemos como resultado
final, mas a chamada obra de arte ainda existe,
ainda não acabou. Então o que vemos é aquilo, são
aqueles elementos que eu tentei sublinhar. Eu acho
que persiste aí o que o Felipe colocou, a
suavidade e o silêncio. Achei muito importante ele
acrescentar esses atributos. E é importante sublinhar
isso, porque suavidade e silêncio são atributos
substantivos, predicados e não adjetivos do
seu trabalho. Outra situação é que o processo que
é tão importante num trabalho como o seu, a forma
de fazer a coisa, em outras épocas se diria o
‘modo de produção’, como você o realiza, e ao qual
você atribui uma importância. O que interessa para
o trabalho de arte, na época em que entra em
contato com o outro, não é essa intimidade do
ateliê, do seu modo de fazer, ele entra em contato
pelo que está lá, diante dos olhos da pessoa, e
no entanto há muito disso no que você fala. Ninguém
pode imaginar você fazendo carnaval no ateliê.
Existem artistas que precisam de uma banda no
ateliê pra realizar uma boa tela. Se não tem a banda,
ele coloca um som muito alto, e eu não imagino
você escutando uma banda punk, um funk ou
qualquer coisa desse tipo para fazer aquele tipo de
trabalho. O silêncio — que o Felipe comentou
como atributo do trabalho — é incorporado quando
você diz que realmente faz todo sentido como
parte indispensável do seu processo.
Existe também a linha do percurso que você faz
com balão, aqueles desenhos efêmeros, que são
linhas que estão sendo traçadas naquele momento.
Não quero entender essa linha pela tradição
acadêmica do desenho. Estou me referindo à linha
como um caminho que é traçado. Sempre esse
caminho que vai do nada ao lugar nenhum,
no melhor sentido da palavra, da falta de destino.
Ou seja, é um sem destino, não no sentido
beatnik, existencial, mas no sentido de algo que
pode existir sem ter começo nem fim, e que está
flagrado no momento da sua existência, ou seja,
num interstício, num meio. A linha não está nem no
começo nem no fim da sua existência.
F.S.
A linha tende a um esvaziamento ou quase
desaparição porque ela foge da obviedade de ser
linha, mas ambiguamente ela é presente e
complementa um vazio. Essa afirmação decorre
do fato do trabalho da Maria recorrer a um
repertório de uma quase invisibilidade da linha ao
mesmo tempo em que ela, como eu disse, é o
personagem central daquela narrativa. Nas
monotipias ou em Milk on pavement, a linha nunca
é ressaltada — graficamente — de uma forma
majestosa; ela mantém uma discrição ou silêncio,
ao mesmo tempo em que não nega de forma
alguma o seu vínculo primordial como estrutura
de pensamento daquela obra. Ainda em Milk
on pavement, a linha que atravessa esse trabalho
possui uma força gráfica mesmo sendo um dado
do lugar da invenção, e portanto não pertencente
ao mundo “real”. Ela instaura uma realidade
( também gráfica ) apesar de sabermos que aquele
estado de existência transita por um território da
fantasia aliado a esse transbordamento de delicadeza,
que o Paulo anunciou.
P.S.D.
Ela não tem origem nem destino, ela existe por
si só. Isso é muito corajoso: dar existência plástica
a um ato desse tipo, de uma linha cuja origem
e destino não interessam, mas que existe naquele
percurso. A linha só existe ali, naquele ato, onde
pouco interessa a origem e o destino. Poderia
se dizer que você conseguiu nessas linhas produzir
um ser sem origem e sem destino, que só existe ali.
Mas o problema disso tudo é a forma como ela
aparece. Primeiro, existe uma ausência completa de
cor e isso é muito importante sublinhar no seu
trabalho. Você até agora abdicou da cor. Só existe
preto e branco, e todas as variações de cinza, às
vezes, inevitáveis para quem só trabalha com preto
e branco.
F.S.
Retomando o que você está dizendo Paulo, eu acho
que o trabalho da Maria tende ou pressupõe um
esvaziamento, que não se conecta a uma negação,
mas um esvaziamento que se associa — se é que
se pode dizer isso, por mais ambíguo que essa frase
possa parecer — com uma afirmação. É a afirmação
de um espaço, de um exercício com o qual essa
linha se conecta. Eu concordo inteiramente com o
que você disse, mas o fato é a quantidade de sentido
que transborda nessa economia de linguagem, com
a qual a Maria trabalha. A quantidade de sentidos
que você transmite, transforma ou cria, aponta
o seu trabalho na direção do impossível e estimula
vontades inesperadas — vem do mais simplório,
que é uma ausência de cor, e o papel ou tecido como
suporte, e constrói sobre essa superfície nada mais
do que uma linha, nada mais que um traço. E a
ambiguidade que eu estou dizendo não se constitui
somente como linha, mas ela transborda em uma
série de potências e significados, e daí vem o que
eu estou dizendo: você transforma essa nulidade ou
possível ausência, em um primeiro olhar ainda leigo
sobre o seu trabalho, na constituição de um espaço,
e em um número significativo de leituras.
P.S.D.
Estava pensando agora — tem muita coisa nessa
fala do Felipe — mas eu gostaria de retomar aqui
as monotipias das rachaduras na parede, e a forma
como elas aparecerão, para quem não assistiu
a ação da captura. As pessoas verão sempre, em
primeiro lugar, essa captura do desprezível, daquilo
que ninguém presta atenção. Ninguém anda
olhando rachaduras na parede e transformando
isso em acontecimento plástico. Segundo, a forma
como você faz aquilo é a mais delicada e tênue
possível, ou seja, exigirá certo esforço de um olhar,
certa inteligência de olhar, para perceber que estão
diante de rachaduras de parede e de chão.
Na verdade o que será visto são linhas, manchas,
traçados como desenhos. A forma como elas são
alinhadas, não obedecendo ao paradigma tradicional
da paisagem, da horizontal absoluta, mas o
fato de abrigarem certa música, no sentido de como
um tom vem mais baixo, outro vem mais alto, de
passagens. Tudo isso afeta profundamente o
resultado para quem vê aquilo. É evidente que não
pode ser aproximado de qualquer uma das
monotipias do Vergara, como já foi citado aqui.
No seu trabalho, Maria, o que está sendo coletado
não tem significado, não é uma figura, não tem um
sentido a priori, não é uma boca de forno nem uma
parede das Missões ( como nas monotipias
de Carlos Vergara ), o que está sendo coletado no
seu trabalho é o anônimo, é a figura sem sentido
nenhum a priori, e que você decide produzir
sentido a partir dela. Elas serão como segmento
de uma partitura. Assim elas foram feitas, e assim
você irá apresentá-las. Então eu acho que
essa escolha de atribuir sentido em algo que
é absolutamente desprezível ao olho leigo e
embrutecido que é o da nossa época, e a decisão
de você coletar e dar sentido poético a isso
é um gesto revelador. A captura da rachadura não
é igual à intervenção do leite na rachadura, existe
um ato ali de decisão extrema, uma oposição
cromática evidente. Existe uma tradição do preto
no branco muito forte na nossa cultura, a partir das
investigações concretas e neoconcretas, e ali você
faz no informe de um achado, um readymade,
que não é uma lata de sopa, mas sim uma rachadura
no pavimento, transformando aquilo em um gesto
plástico contundente. São momentos diferentes
num mesmo processo de trabalho, que por
sua vez exibem uma coerência extrema, com todas
essas diferenças entre eles. Isso é impressionante
para mim.
F.S.
É um registro que coloca para a posteridade algo
que é descartável ou desprezível…
P.S.D.
Que não é nem para posteridade, é para nós
mesmos, para mim e para você. Eu nunca tinha
visto uma rachadura daquela maneira, eu conheço
muita rachadura fotografada, existem vários artistas
que fotografam rachaduras de parede e transformam
em um acontecimento plástico contundente,
com cores, em cibachromes, em fotos enormes de
rachadura de parede ou de chão. Isto é inteiramente
diferente do procedimento da Maria. Esse
procedimento da segmentação, de possibilitar o
papel descer ou subir em relação à rachadura. O
acontecimento também existe regido por um
determinado formato do papel onde ela começou a
inscrever a rachadura. É muito interessante, porque
isso determina uma linha.
A linha que nós estamos pensando não é uma
linha no sentido geométrico da palavra. É a linha
no sentido daquele que realmente desenha e
traça uma linha no papel, e que não tem nada a
ver com geometria.
F.S.
Penso que é justamente o contrário disso. Você
não segue um programa pré-determinado, porque
traz o acaso como método para o seu trabalho.
M.L.
É a geometria, o limite do papel é que se submete
a continuidade da linha.
P .S.D.
Tampouco é a linha do desenho que resistiu até
o século XIX. Até o famoso mestre Guignard,
no século passado, que, como contam seus alunos,
para desenhar tinha que se utilizar de lápis duro
para marcar o papel, e não poder apagar a linha
que traçou no exercício do desenho. Estou falando
aqui do aparecimento da linha. Você flagra no seu
trabalho como a linha aparece no mundo, seja
através de procedimentos intencionais, como o de
costurar a areia, seja através de achados, mas que
acabam numa construção da linha.
M.L.
Assim como o leite no pavimento (e todos os outros
trabalhos ), as monotipias de rachadura são uma
forma de contato extremo, na qual o papel
é vulnerável a aspereza da rachadura, ao ponto de
eventualmente rasgar o papel em pontos seguidos.
São formas de contato ( de encontro e de separação )
que formam todos os desenhos. E, nas monotipias,
o desencontro das folhas de papel é que permite que
as linhas continuem.
P .S.D.
De qualquer modo, tanto no seu método como
nas suas configurações finais, seu trabalho se
desenvolve sempre no plano da delicadeza e numa
evidente recusa do espetacular, muito mais fácil
de ser perseguido no mundo de hoje.