Desenhos de ar

O intervalo e o ar são a matéria prima dos desenhos de Maria Laet. A brisa gerada

pelo movimento do corpo ou pelo sopro é o que provoca o deslocamento da tinta.

Há, nas duas séries aqui apresentadas, uma distância considerável entre o gesto e o

papel. A distância que seu corpo toma do suporte reduz bastante o controle que a

artista tem sobre o resultado. É do acaso e da indeterminação do processo a origem

da expressividade desses desenhos.

Há um esforço físico para que cada linha seja traçada. Numa das séries, um balão de

gás hélio suspende um algodão entintado que voa conforme a direção da brisa. Daí a

dificuldade de uma precisa correspondência gráfica entre o movimento do corpo e a

linha. Entre gesto e desenho há descontinuidade.

A outra série é realizada com nanquim sobre uma pilha de papéis. Como num

diálogo silencioso, a tinta é assoprada por duas pessoas em sentidos opostos. O

nanquim atravessa as camadas de papéis até ser completamente absorvido.

Enquanto o balão tende ao movimento ascendente, nesta série a força da gravidade

inverte o sentido. Exibidos em sequências horizontais, os desenhos apresentam os

indícios do sopro e seu processo de desaparecimento. O que era uma pilha

tridimensional de papéis é exposto com ênfase no plano. O vazamento da tinta

através do suporte e a relação entre cada um dos desenhos são refeitos mentalmente

pelo público. Tudo se passa como se em vez de assistirmos a um segundo de um

filme contemplássemos separadamente cada um dos quadros de uma película.

É para o hiato entre cada um dos desenhos e para o vazio entre o gesto do corpo e as

marcas no papel que esses trabalhos chamam atenção. O que é esse intervalo? Não é

o modo distanciado com que o sujeito contemporâneo se relaciona como os objetos.

Mas a própria ligação do homem com o mundo, que pressupõe vazios prenhes de

significados.

Cauê Alves