Gabriel Pérez-Barreiro: Queria que você contasse um pouco como foi o processo deste novo vídeo que você apresenta na Bienal. Como você o encaixa na sua produção?
Maria Laet: Eu me identifico e me encanto pelas coisas que vivem mais em silêncio, que acontecem sem ser tão notadas, em paralelo a um mundo que fala mais alto. É um processo intuitivo, como se esse universo me chamasse para o diálogo.
Quando vim aqui ao Pavilhão da Bienal, me impressionou o vazio imenso criado pela arquitetura que se impõe, tão forte. E justamente por ser tudo tão grande e importante, minha atenção se virou ainda mais para as sutilezas desse espaço vazio, para o que há de mais frágil e silencioso nesse contexto, o que não está sendo visto. O contraste entre esses mundos, e o lugar onde eles se encontram, é muito potente para mim.
Além disso tem outro aspecto: muitos de meus trabalhos acontecem através de alguma superfície; há uma espécie de pele que é atravessada, como a areia que é atravessada pela linha e pela agulha em Sem título (Areia, Londres), 2008, o papel permeável ou cortado que é atravessado pela tinta em Diálogo (Sopro), 2008 e Sobre o que não se contém, 2013, o asfalto e o leite em Leito, 2013; todos eles acontecem dos dois lados dessas peles, falam dessa relação entre dentro e fora do corpo.
No pavilhão, no lugar onde o trabalho foi gravado, existe uma pele do prédio, que é o brise-soleil, e outra muito próxima, que é a palmeira. A relação entre essas duas presenças, da arquitetura e da natureza, faz com que, especificamente ali, a luz do Sol aconteça de uma forma diferente de todo resto do pavilhão. Nesse lugar, momento e ângulo determinados, a luz do Sol atravessa um buraquinho gerado pela sobreposição dessas peles e ganha vida e forma dentro do pavilhão. Vemos, dentro, um universo que continua no outro, que se deixa permear pelo outro, por outra realidade.
Esse ponto de luz é um fenômeno que, para ser visto, depende da hora do dia, do vazio no pavilhão e do ângulo em que a pessoa se posiciona. É silencioso, solitário e inapreensível, desaparece em poucos minutos e nunca volta a ser igual. Condensa, para mim, essas sensações e pensamentos, de algo que é ao mesmo tempo frágil e forte, efêmero e eterno, vulnerável e potente, interno e externo.
G.: Você falou sobre permeabilidade, atravessar, entrar. E eu me pergunto se você faz um paralelo entre isso e o modo que a arte afeta, como essas relações são construídas.
M.: Sim. Eu nem pensaria nas relações com a arte, o que também faz sentido, mas pensaria nas relações entre as pessoas. Na natureza você encontra pedras que são mais ou menos porosas, e mais ou menos permeáveis. São formas de estar no mundo, de se relacionar com o que vem de fora. Você recebe a influência do outro, a energia, o olhar do outro, ou não. Então, nesse sentido, o prédio se torna também um corpo permeável.
G.: Qual a relação que você faria entre seu trabalho, por exemplo, e a questão da atenção?
M.: Eu acho que a atenção no meu trabalho tem muito a ver com um pensamento que vaga, como um devaneio. No devaneio você vai encontrar o que te toca, sem procurar. É um tipo de atenção que se deixa encontrar.
G.: Interessante, porque há todo um corpo de pensamento sobre a atenção que tenta quebrar a equivalência que muitas pessoas veem entre a atenção e o olhar fixo. O olho é a percepção, e a percepção é fluida, está sempre aberta e em movimento. A gente tem essa ideia de que prestar atenção é olhar para um lugar fixo. É uma ideia muito artificial, porque na verdade a atenção é sempre para o que está acontecendo ao redor. Teu trabalho traz um pouco isso.
M.: É um olhar intuitivo.
G.: É um olhar aberto, é um olhar que se deixa afetar, se deixa permear pelo que está acontecendo. Então é um tipo de atenção e de olhar aos quais as pessoas talvez não estejam tão acostumadas, porque nos acostumamos com um conceito muito utilitário da atenção, que é para focar e tirar algum tipo de conclusão.
M.: Sim, um conceito utilitário e talvez ditador sobre o olhar. Como se fosse importante acertar um alvo, que provavelmente nem existe.
G.: É, mas também é um tipo de atenção ou de olhar que talvez não seja só ocular. Ele é corporal. É nesse sentido que você fala tanto da pele – quase como se a pele fosse um jeito de olhar, um órgão para sentir ou perceber o mundo. Acho que, no seu trabalho, talvez esteja presente mais esse tipo de olhar que um olhar científico, objetivo.
M.: Isso. É mais perceptível, é até mais sentimental mesmo. Acho que sim.