Maria Laet. A força além da dualidade.

 

A presença ou sugestão de uma linha em um campo contém duas idéias, dualidade e divisão. Enquanto a idéia de dualidade é uma expressão universal para a polaridade primordial que preside a toda a criação cósmica, a idéia de divisão é o principio generativo que assiste o processo de evolução de tudo o que foi criado. Esta indica separação do todo, portanto, individuação, tanto quanto fusão com o todo, o propósito potencial enunciado por qualquer brecha e, aparentemente, pela sua teleologia criativa.

Maria Laet tem trabalhado estes temas em formas que atenuam a linguagem e o enquadramento do seu processo criativo dentro de um modo cultural. A sua escolha de materiais e meios evita o significado, qualquer codificação de sentido, aproximando-se do próprio episódio da criação. Nas palavras de Laet ‘existe um ato, como um ritual, no qual a primeira poesia do trabalho está condensada. Refiro-me a isto como poesia porque faz o trabalho nascer, no seu estado mais pulsante, intenso e precário. Tal como o momento do ato, o seu ‘fazer’, o momento precedente, o nascimento da idéia, o envolvimento intuitivo com o trabalho, o desenvolvimento dessa intuição, também tem essa qualidade pulsante e precária’[1].

No seu processo criativo, ela usa objetos simples, concretos e precisos, como uma agulha, ou contendo o atributo de elasticidade ou fluidez, como ar, vento, areia, galhos de madeira, giz, ou leite, pelos quais a sua poética da criação pode ser homologada à dinâmica criativa da natureza, em oposição aos meios codificados da criação artística estabelecida.

As suas imagens são o registro de momentos específicos de um fluxo duracional ou uma ação criativos, tal como soprar uma gota de tinta, mover-se em torno de um balão, coser areia e, portanto, o meios de registro são muito literais, quase documentais: vdeo, fotografia, desenhos que ficam como vestígios de uma ação, neste caso a frottage de fissuras.

O registro de fissuras por frottage permite uma intervenção mínima do desenhador, uma ação na qual o papel é a superfície de contacto, descascada depois do desenho terminar.

As imagens de Laet são paradoxais e carregadas de poder simbólico. Mostram algo adivinhado e ainda não claro, a apreensão de ocorrências invisíveis da psique, trazendo os seus segredos, revelando um conhecimento escondido. Que substância fluída, branca, poderosa, mágica, irrompe pela negra e dura esterilidade do asfalto? Que poder mágico reside na ação de coser, e que remendará as miríades de grãos de areia num tecido uno?

Estas são imagens primordiais, arquetípicas, pertencendo à categoria da ‘conjunção dos opostos’ que, em qualquer plano que seja realizada, representa transcender o mundo fenomênico, abolir toda a experiência de dualidade[2]. Nelas ressoam os temas fundamentais de um conhecimento incorporado, experimental, nuclear, uma informação subjacente acerca da dinâmica energética da psique e da sua força transcendente e redentora.

 

Suzana Vaz, Rio de Janeiro, Julho 2009.

 

[1] LAET, Maria (2008). The potential space and the artistic experience. Dissertação de Mestrado. TrAIN, UAL. p. 39.

[2] ELIADE, Mircea (1990). Yôga, Immortality and Freedom (orig. publ. 1954. Le Yoga. Imortalité et Liberté. Paris: Librairie Payot). New York: Princeton University Press. p. 269.