A folha folheada pelo tempo

 

Entre o nascer e o morrer, experimentamos as muitas, tantas quanto possíveis, variações de tempo a compassar nossas passagens, cujas durações se estendem ou encurtam mediante os níveis de afeto e de angústia, de atenção, de inteligência ou de curiosidade.

Há um tempo que sobrevive ao curso de todas as nossas vidas, e há tempos que se apagam de nossas lembranças ou mesmo da própria História. Entre o passado, já apagado, e o presente, nem sempre sentido, esconde-se um tempo que está permanentemente a repetir-se, que é particular, pois superior a todas as formas de vida, sem fazer distinção: um tempo que ora parece morto, ora torna-se a razão maior de nossa insistência em respirar, em aprender tão-somente para voltar a errar e, logo, tornar a reaprender, num ciclo maior que os anos, que os séculos, que os milênios…

Esta mostra nasce justamente da atenção dada a um tempo que não é o meu, mas que comigo foi compartido pela artista em seu atelier cor de pele, envolto numa atmosfera de conforto, longínqua intimidade, languidez e permanência. Foi naquela tarde – nem tão breve, nem tão longa, mas longa o suficiente para arrastar-se até o presente -, que nasceu esse projeto de imersão conjunta num mundo que, uma vez público, torna-se outra vez privado. É nesse tempo/ciclo que situa-se a obra de Maria Laet – um tempo que é sentido, compartilhado, que promove um eterno retorno à própria artista, mas não sem antes passar pela natureza, pelos homens, por todxs nós.

Tal qual a aventura humana, a arte também pode ser vista como um grande jogo; foi assim, nesta toada, que procedemos, a artista e eu, ao passatempo de unir os pontos, alinhavar as partes para alcançar um labirinto maior, uma cosmogonia de elementos visíveis, audíveis, táteis, sensoriais.

 

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Acaso não conhecesse Maria, era bem possível acreditar tratar-se de uma artista oriental – japonesa, quem sabe -, que responde a uma ancestralidade e a um tempo que não parecem ser os mesmos nossos. Há algo de intangível em sua ação silenciosa, fantasmática, litúrgica, eu diria – uma presença e um protagonismo que nos transpõem a outro plano, senão austero, milenar, esotérico, místico.

Recantos, dobras e dobraduras, alinhavos, brancos, cinzas e negros, sopros, metais, papéis e mais geometrias, curvas e retas, pó, areia, agulha, pele e linha, num ritual que é pagão porque deriva de todos os altares, do ocidente ao oriente, da artesania à mata, e desta à matemática. É naquilo que respira, dorme, hiberna – para depois projetar-se na matéria – que existe a obra de Maria Laet.

Entre, deite e deixe-se acalentar, aproxime-se, ouça, respire, murmure, durma com esse barulho – da mata, da tumba, da folha a ser folheada, da natureza a ser penetrada, do tempo a ser esquecido e relembrado, pois uma folha em branco jamais será igual à outra quando estiverem soltas ao vento.

 

Bernardo José de Souza